poética

“o boneco é anterior ao homem”, Mestre Solon da Carpina


*

Neste toco de galho
eu vejo um boneco
pronto pra festejo,
chei de telecotecos,
novo como um beijo;
boneco sem nome,
mas dança, fala, canta…
só mente, não come.

De raiz e ancestrais
da Etiópia até o Togo,
foi criança na floresta
quem inventou o jogo.
Tal Charles Chaplin
lutando no ringue,
vejo a alma do boneco
se atirar do estilingue,

invadir o meu poema
derrubar treva e tédio,
estilo um sol pintar
brilhante atrás do prédio
e ilumina o sorriso
na tarde que avança:
alegrar os crescidos,
os velhinhos, as crianças.

Neste toco de galho
torto, caído na esquina
aprendi a ver poema
com Solon da Carpina.

*

Do livro “Zé Limeiriques e outros absurdos”, Pedro Paulo Pieroni. São Paulo,  editora Respeita Januário, 2025, no prelo.

A coroa do rei rolou,
assim se fez o milagre do pão.


Eram pedras preciosas
o que agora são roupas,  ferramentas, casas, pontes.


Coisas supérfluas, o essencial:
são brinquedos, livros, a imaginação.


E a terra – este chão onde sonho
– decidiu não mais ter dono,


como uma jovem quando acorda

o sopro

Bartolomé Esteban Murillo

Antes do final já esperado,
Oh vida breve, é um sopro,
é um vento carregado
pronto pra apagar o fogo,

o menino então entende
que o tempo vale muito,
e o tempo de quem sente
é melhor tempo do mundo.

Recorda um sonho: um velho
triste que então dissera:
“a flor do seu evangelho
vai murchar na primavera.

Mas, se a semente corre
é pra retornar de novo,
nesta terra nada morre,
se semeada pelo povo…”

Lembra da bola, de João,
do Egito, da Palestina;
do pai, calejada a mão,
dos crucificados na colina.

Pensa em sua mãe Maria
e a saudade bate forte;
no cheiro da carpintaria,
pensa na vida e na morte.

Pensa seu rosto profano
que o espelho lhe mostrou:
“Se o diabo é humano,
um deus eu também sou”.

E, por fim, vê o silêncio
no vazio que se aproxima,
o alcança, um pio suspenso
nessa jornada que termina.

Trecho de O evangelho do aprendiz de carpinteiro – Pedro Paulo Pieroni,  São Paulo, 2025.

Ontem a noite cresceu no meu olho:

Três crianças de mãos dadas corriam na colina.

Louvavam a seu Deus por toda parte, assobiando seu salmo dos adultos,

mas somente elas percebiam, sob a luz da lua,

o seu Deus na sombra da mão delas.

O menino azul

(…)

(Quem souber de um burrinho desses,
pode escrever
para a Ruas das Casas,
Número das Portas,
ao Menino Azul que não sabe ler.)

Cecília Meireles, em Ou isto, ou aquilo