5.
Havia um velho em Sousa,
filho da lua que ousa:
brilhar na campina
e na oficina
do velho brilhante de Sousa
Do livro “Zé Limeiriques e outros absurdos”, Pedro Paulo Pieroni. São Paulo, editora Respeita Januário, 2025, no prelo.
5.
Havia um velho em Sousa,
filho da lua que ousa:
brilhar na campina
e na oficina
do velho brilhante de Sousa
Do livro “Zé Limeiriques e outros absurdos”, Pedro Paulo Pieroni. São Paulo, editora Respeita Januário, 2025, no prelo.

MENINO PIPA, pintura por Renata Sass 2019
Desta vez, eu era a pipa
rasgando um teco do azul:
em baixo, menino desbica;
em cima, aparo um urubu.
Mas da linha ele escapa,
boia pro norte do Sul.
Tem polícia que não acaba
e o multa por excesso de “U”.
Eu, num retão fulminante,
me enrosco todo na ponte,
desbicado, sigo adiante,
busco um outro Horizonte.
Um pouco diferente do sol
em todo lugar eu me ponho.
O urubu estava sem cerol?
Ou cruzei a linha do sonho?

“o boneco é anterior ao homem”, Mestre Solon da Carpina
*
Neste toco de galho
eu vejo um boneco
pronto pra festejo,
chei de telecotecos,
novo como um beijo;
boneco sem nome,
mas dança, fala, canta…
só mente, não come.
De raiz e ancestrais
da Etiópia até o Togo,
foi criança na floresta
quem inventou o jogo.
Tal Charles Chaplin
lutando no ringue,
vejo a alma do boneco
se atirar do estilingue,
invadir o meu poema
derrubar treva e tédio,
estilo um sol pintar
brilhante atrás do prédio
e ilumina o sorriso
na tarde que avança:
alegrar os crescidos,
os velhinhos, as crianças.
Neste toco de galho
torto, caído na esquina
aprendi a ver poema
com Solon da Carpina.
*
Do livro “Zé Limeiriques e outros absurdos”, Pedro Paulo Pieroni. São Paulo, editora Respeita Januário, 2025, no prelo.
A coroa do rei rolou,
assim se fez o milagre do pão.
Eram pedras preciosas
o que agora são roupas, ferramentas, casas, pontes.
Coisas supérfluas, o essencial:
são brinquedos, livros, a imaginação.
E a terra – este chão onde sonho
– decidiu não mais ter dono,
como uma jovem quando acorda

Antes do final já esperado,
Oh vida breve, é um sopro,
é um vento carregado
pronto pra apagar o fogo,
o menino então entende
que o tempo vale muito,
e o tempo de quem sente
é melhor tempo do mundo.
Recorda um sonho: um velho
triste que então dissera:
“a flor do seu evangelho
vai murchar na primavera.
Mas, se a semente corre
é pra retornar de novo,
nesta terra nada morre,
se semeada pelo povo…”
Lembra da bola, de João,
do Egito, da Palestina;
do pai, calejada a mão,
dos crucificados na colina.
Pensa em sua mãe Maria
e a saudade bate forte;
no cheiro da carpintaria,
pensa na vida e na morte.
Pensa seu rosto profano
que o espelho lhe mostrou:
“Se o diabo é humano,
um deus eu também sou”.
E, por fim, vê o silêncio
no vazio que se aproxima,
o alcança, um pio suspenso
nessa jornada que termina.
Trecho de O evangelho do aprendiz de carpinteiro – Pedro Paulo Pieroni, São Paulo, 2025.

Ontem a noite cresceu no meu olho:
Três crianças de mãos dadas corriam na colina.
Louvavam a seu Deus por toda parte, assobiando seu salmo dos adultos,
mas somente elas percebiam, sob a luz da lua,
o seu Deus na sombra da mão delas.

São Lourenço é; eu sei, porque um tanto
de estrelas na noite tranquila
brilha e cai e porque um grande pranto
no côncavo do céu cintila.
Voltava a andorinha ao seu teto:
Mataram-na: cai entre espinhos:
levava no bico um inseto:
a ceia dos seus filhotinhos.
Lá está como em cruz, a mostrar
um verme a um céu silencioso;
e no ninho sombrio, um piar,
sempre e sempre menos queixoso.
Volta ao ninho um homem, também;
mataram-no: Perdoo; falou:
o olho aberto, um grito retém,
e nas mãos um presente apertou…
Duas bonecas pra casa trazia,
a casa que espera em vão:
ele atônito, imóvel, confia
as bonecas ao céu, à amplidão.
E você, Céu, no mundo infinito,
lá no alto, eterno, imortal,
chove um pranto de estrelas, aflito,
neste átomo opaco do Mal!
(Myricae – Elegie)
tradução Jorge Teles