Revolução,  Gianni Rodari

A coroa do rei rolou,
assim se fez o milagre do pão.


Eram pedras preciosas
o que agora são roupas,  ferramentas, casas, pontes.


Coisas supérfluas, o essencial:
são brinquedos, livros, a imaginação.


E a terra – este chão onde sonho
– decidiu não mais ter dono,


como uma jovem quando acorda

o sopro

Bartolomé Esteban Murillo

Antes do final já esperado,
Oh vida breve, é um sopro,
é um vento carregado
pronto pra apagar o fogo,

o menino então entende
que o tempo vale muito,
e o tempo de quem sente
é melhor tempo do mundo.

Recorda um sonho: um velho
triste que então dissera:
“a flor do seu evangelho
vai murchar na primavera.

Mas, se a semente corre
é pra retornar de novo,
nesta terra nada morre,
se semeada pelo povo…”

Lembra da bola, de João,
do Egito, da Palestina;
do pai, calejada a mão,
dos crucificados na colina.

Pensa em sua mãe Maria
e a saudade bate forte;
no cheiro da carpintaria,
pensa na vida e na morte.

Pensa seu rosto profano
que o espelho lhe mostrou:
“Se o diabo é humano,
um deus eu também sou”.

E, por fim, vê o silêncio
no vazio que se aproxima,
o alcança, um pio suspenso
nessa jornada que termina.

Trecho de O evangelho do aprendiz de carpinteiro – Pedro Paulo Pieroni,  São Paulo, 2025.

Ontem a noite cresceu no meu olho:

Três crianças de mãos dadas corriam na colina.

Louvavam a seu Deus por toda parte, assobiando seu salmo dos adultos,

mas somente elas percebiam, sob a luz da lua,

o seu Deus na sombra da mão delas.

10 de agosto, Giovanni Pascoli

O poeta à esquerda do pai

São Lourenço é; eu sei, porque um tanto

de estrelas na noite tranquila

brilha e cai e porque um grande pranto

no côncavo do céu cintila.

Voltava a andorinha ao seu teto:

Mataram-na: cai entre espinhos:

levava no bico um inseto:

a ceia dos seus filhotinhos.

Lá está como em cruz, a mostrar

um verme a um céu silencioso;

e no ninho sombrio, um piar,

sempre e sempre menos queixoso.

Volta ao ninho um homem, também;

mataram-no: Perdoo; falou:

o olho aberto, um grito retém,

e nas mãos um presente apertou…

Duas bonecas pra casa trazia,

a casa que espera em vão:

ele atônito, imóvel, confia

as bonecas ao céu, à amplidão.

E você, Céu, no mundo infinito,

lá no alto, eterno, imortal,

chove um pranto de estrelas, aflito,

neste átomo opaco do Mal!

(Myricae – Elegie)

tradução Jorge Teles

Senecio, Paul Klee (1922)

Criada em 1922 pelo pintor suíço-alemão Paul Klee, Senecio é uma festa de formas geométricas, de linhas e cores.

O nome da obra vem do latim, cuja tradução é “velho”, mas, de acordo com um boato plástico, tem relação com a planta de mesmo nome. Isso depois de o pintor ver a planta, porque antes a obra era chamada de “Head of a Man”.

O amarelo, o rosa, o vermelho, o laranja, o roxo, juntos, misturados aos círculos, quadrados, retângulos, triângulos, dão sensação de uma infância ao sol, tem cheiro de escola (no ótimo sentido), o traço de algo que se está por descobrir. Talvez Klee tenha sid0 tão simples quanto profundo.

Como uma criança que brinca.

Todos os animais – Gianni Rodari

Eu quero ser capaz,
ter a voz que encaixa,
falar com os animais
O que que cê acha?
Ouvir de um cavalo
uma história envolvente
sobre os papagaios,
crocodilos e serpentes
Uma simples galinha
quando um ovo pôr
ao cantar uma cantiga
eu traduzo “muito amor”
Do elefante muita sombra
parecido a um planeta
Mas que idioma sai da tromba
quando ele trombeta?
Até ao gato que é discreto
eu pergunte se está mal
Talvez ele fique quieto
Ou – no máximo – “miau”
que talvez seja um “tchau”.

Transversão de Pedro Paulo Pieroni

a balança

No quintal, o vento bateu tão forte, mas tão forte, que tremeu as cordas da balança. Sem parar quieta, ela agora vai pra lá e vem pra cá, balançando toda a toda.

A corda que dá sustentação à balança é preta e branca, entrelaçada. Presa numa ponta cadeirinha, feita de tábua comum, é verdade, mas caprichada nos trinques, o acabamento com verniz. E, com o vento, a balança vem pra cá e vai pra lá, balançando toda a toda.

Ela movimenta-se tão macia e agradável, que parece ter sido empurrada pelas mãos de uma criança. E a outra criança, balançando, deu um salto e correu. Mas só se parece, é só o vento. E com isso, a balança vai pra lá e vem pra cá, solitária, balançando toda a toda.

Ora lá, espere um pouco, nem tão solitária assim. Há um homem sentado no quintal, observa ao vao e vem da balança, ela balançando toda a toda, de modo que ameaça um sorriso, mas fecha o rosto, olha pro alto, com as pernas dobradas, juntas, abraça os joelhos e solta o suspiro.

Assim ele lembra, assim ele chora. E ainda que houvesse um balão de quadrinhos pronto a revelar seu pensamento, ele chora.

Ignorando tudo isso, a balança vai pra lá e vem pra cá, balançando toda a toda.

O menino azul

O menino quer um burrinho
para passear.
Um burrinho manso,
que não corra nem pule,
mas que saiba conversar.

O menino quer um burrinho
que saiba dizer
o nome dos rios,
das montanhas, das flores,
— de tudo o que aparecer.

O menino quer um burrinho
que saiba inventar histórias bonitas
com pessoas e bichos
e com barquinhos no mar.

E os dois sairão pelo mundo
que é como um jardim
apenas mais largo
e talvez mais comprido
e que não tenha fim.

(Quem souber de um burrinho desses,
pode escrever
para a Ruas das Casas,
Número das Portas,
ao Menino Azul que não sabe ler.)

Cecília Meireles